Por dentro dos temas

Essa sessão do Blog é reservada para quem sabe do que está falando. Aqui, você poderá ficar por dentro dos temas, antes das palestras, através de textos escritos por alguns dos palestrantes da Comunicar! e por outros especialistas.


3ª Comunicar! // Jornalismo Ambiental


Jornalismo ambiental ou jornalismo com visão ambiental?

 Por Sérgio Abranches, comentarista da rádio CBN e palestrante da 3ª Comunicar!

Quando Marcos Sá Corrêa, Francisco Brito e eu criamos O Eco, um site de jornalismo dedicado a temas ambientais, dizíamos sempre aos jovens repórteres que chegavam para trabalhar conosco que não existia jornalismo ambiental. Existe cobertura jornalística com um ângulo, uma visão ambiental. Pode-se dizer o mesmo do jornalismo político  no qual comecei como repórter em Brasília  do jornalismo econômico. Por que insistir em jornalismo, sem a qualificação ambiental, econômico, político, etc? Porque o jornalismo é o mesmo, o que muda é a pauta ou o enfoque.

Recentemente, fiquei muito satisfeito, ao ler duas matérias em O Globo, uma sobre trânsito, a outra sobre investimentos governamentais, que incluíam o ângulo ambiental no escopo da matéria. A matéria de trânsito era exemplar: ela fazia a conexão entre o aumento de veículos nas ruas, o aumento de emissão de gases estufa e o aumento da poluição. Mostrava que mais emissões de gases estufa contribuíam para o aquecimento global e mais poluição afetava a saúde das pessoas e representava ônus adicional para o sistema de saúde. A maior parte da matéria era sobre os transtornos no trânsito, o aumento da frota de veículos particulares, a deficiência dos transportes urbanos, em quantidade e qualidade e a perda geral de produtividade. Essa era a pauta. Mas, o repórter enxergou o ângulo ambiental e o incluiu na matéria. Esse é o caminho. A maioria das pautas pode ter um ângulo ambiental.

Isso é verdade, também, para outros campos, digamos, setoriais do jornalismo. Há algumas semanas, vi a matéria de uma repórter na ESPN-Brasil, que mostrava o ângulo político, em uma história que seria normalmente exclusivamente esportiva. E não era sobre Copa ou Olimpíadas, onde a conexão política éevidente. A setorialização das redações e das pautas, durante muito tempo deixou temas fundamentais fora doângulo de visão da reportagem. O tema ambiental foi um deles. Mas hoje, há muita mudança que não se pode ver setorialmente.

Por muitos anos, esse ângulo permaneceu como o canto invisível das reportagens. Cobria-se um leilão de energia  e reportava-se que boa parte da energia contratada seria suprida por termelétricas a carvão. Não se questionava emissões, poluição, chuva ácida, aquecimento global. Hoje, é impossível fazer uma matéria assim, de costas para as consequências ambientais desse tipo de decisão.

Portanto, tudo é jornalismo. O afazer é um só: apurar, apurar, apurar, checar os dados, confrontar as posições e opiniões. Não gosto da ideia de que o jornalismo, qualquer seja ele, deva conscientizar a população sobre algo. A ideia de conscientização remete muito diretamente a militância e a certas posições ideológicas. Jornalismo informa, nãconscientiza. Isso não quer dizer que o jornalista seja um portador neutro e isento da informação. Neutralidade e isenção absolutas não existem. O jornalista tem posição e opinião sempre. Para evitar uma matéria com viés, parcial, ele deve usar as técnicas de apuração e verificação, cotejando informações que recebe de fontes diferentes. Mas quero dizer, também, que não dá para levar a ferro e fogo, ooutroladismo. Nem sempre a matéria correta é aquela do tipo ele disse, ela disse. Como se todos os lados fossem iguais, igualmente fidedignos e partes igualmente legítimas da questão. Um técnico que oferece dados checáveis sobre desmatamento e um grileiro que nega o desmatamento, não podem ter pesos iguais em uma matéria. Um antropólogo da FUNAI, que está em contato com indígenas, em uma terra demarcada, e invasores da terra que negam a presença dos indígenas, não podem ser ouvidos e citados, com o mesmo peso, conferindo o mesmo grau de credibilidade à informação dos dois. Além de verificar, o jornalista analisa, investiga e demonstra. Ele sempre processa a informação. Muitas vezes temos que navegar contra a maré, porque a maré está carregada de interesses que ferem o bem-estar coletivo. O jornalista é um repórter ligado ao interesse geral. A narrativa simples, ela disse que é terra indígena e que os indígenas estão ficando sem caça e sem espaço, mas ele afirma que nessas terras não há indígenasé apenas mal jornalismo e não obediência à regra de ouvir os dois lados. Um desses lados está mentindo e cabe ao jornalista investigar qual deles é o verdadeiro.

Ouvimos todos os lados porque é correto ouvir e porque em cada lado há notícia, há história para contar. É claro que o jornalista acaba dando sua opinião, ainda que nas entrelinhas, na escolha do lead, na forma como estrutura a matéria. Mas não faz isso para convencer. O leitor pode acabar formando opinião diversa. Eu faço jornalismo de opinião (colunismo) há vinte anos (Veja, NO., O Eco, CBN). Mas isso não me exime de apurar, checar, ouvir os lados, investigar, analisar, avaliar. Continuo mantendo fontes, continuo entrevistando. Muitas vezes levo um dia inteiro de apuração para falar três minutos na CBN. Dessa forma o jornalista constrói sua credibilidade, melhor maneira de chegar ao leitor.

3ª Comunicar! // Mídia Ninja e novas narrativas


A Esquerda nos Eixos e o novo ativismo

Por Ivana Bentes, professora e pesquisadora da Escola de Comunicação da UFRJ e palestrante da 3ª Comunicar! 

Pretendia escrever um texto de avaliação sobre as Marchas da Liberdade em todo Brasil quando vi este artigo na rede ["A esquerda fora do eixo", publicado dia 17 de Junho de 2011 no site Passa a Palavra com assinatura coletiva http://passapalavra.info/?p=41221] sintomático da perplexidade de certos setores da esquerda tradicional com as mudanças e crise do capitalismo fordista e as novas dinâmicas de resistência e criação dentro do chamado capitalismo cognitivo (pós-fordista, da informação ou cultural).

Crise e desestruturação que tem como horizonte a universalização dos meios de produção e infra-estrutura pública instalada, a constituição de novos circuitos e mercados e a emergência de uma intelectualidade de massa (não mais o “proletariado”, mas o cognitariado) com a possibilidade da apropriação tecnológica por diferentes grupo (software livre, códigos abertos, cultura digital).

Crise e paradoxo onde o próprio crescimento gera e multiplica precariedade, mas também novas dinâmicas e modelos.

O capitalismo da “abundância” produz crise ao entrar no horizonte da gratuidade/compartilhamento/colaboração com uma mutação da própria idéia de “propriedade” (ver a crise do Direito Autoral).

O texto percebe as mudanças, estruturais, mas não consegue ir além nas conseqüências e funciona como uma caricatura que busca demonizar as novas dinâmicas sociais e culturais pós-fordistas e despotencializar a cultura digital, o midiativismo e as estratégias de apropriação tecnológicas das redes, inclusive a apropriação de ferramentas como o Facebook, twitter e outras para causas e objetivos próprios, como fizeram os árabes e os espanhóis, hackeando as novas corporações pós-fordistas.

Falta ao texto (além de diagnósticos equivocados sobre a “nova classe dominante”) um arsenal teórico minimamente a altura das mutações, crises e impasses do próprio capitalismo.

Há uma frase sintomática neste artigo que me chamou atenção e que esclarece em muito sobre “quem” fala e de “onde” fala sob a assinatura anônima/coletiva:

Diz: “é praticamente impossível para um observador desatento ou viciado nas velhas estruturas identificar e combater o novo sujeito formado por este coletivo (ou rede).”, referindo-se ao Circuito Fora do Eixo a quem os autores atribuem _ numa teoria “conspiratória” que não esconde uma envergonhada admiração_ praticamente tudo o que está acontecendo de mais interessante na cena do ativismo brasileiro!

A frase explicita o medo diante das novas dinâmicas que estão sendo inventadas e experimentadas “fora do eixo” da esquerda clássica, criando experiências e conceitos que explodem o arsenal de teorias maniqueístas fordistas de uma esquerda pautada pelo capitalismo do século XX, incapaz de enxergar as “revoluções do capitalismo”, dentro “do” capitalismo e que vem sendo discutidas pelo menos desde maio de 68 ou logo depois quando, por exemplo, os teóricos-ativistas Gilles Deleuze e Félix Guattari lançaram o extraordinário manifesto “O Anti-Édipo ou Capitalismo e Esquizofrenia”, de 1972. Ou que ignora as análises sobre as mutações do capitalismo tematizadas por um teórico comunista como Antonio Negri, nos livros “Império” e “Multidão”, dois clássicos contemporâneos.

A frase dá bem a dimensão desse medo e incompreensão do novo e aponta a própria incapacidade de ver dos autores do artigo.

O observador “viciado nas velhas estruturas” é exatamente “quem fala” neste texto, que também se entrega, medroso e preocupado, com a perda do seu próprio protagonismo. Perda de toda uma esquerda fordista que funciona hoje como a “vanguarda da retaguarda” mais conservadora até que muitas dinâmicas do próprio mercado!

Entre os problemas mais gritantes destaco:

1. O texto não consegue configurar que os movimentos e articulações, ainda que incipientes, das marchas das liberdades em todo Brasil não são “a nova classe dominante”, mas a emergência de um movimento transversal, “movimento de movimentos”, com dinâmica própria e singular em cada território, com uma pauta heterogênea, aberta e em construção, sem “central única” ou “comando” dos “iluminados”, que se auto-organiza e cujos “fins” não foram dados a priori!

2. Não se trata de uma “nova classe média liberal”, nem “nova classe dominante”, “despolitizada”, mas de um arranjo transversal que junta e agrega o chamado precariado urbano, a nova força de transformação no capitalismo contemporâneo.

3. Ou seja, movimentos como os das marchas (e tantos outros) ou o Circuito Fora do Eixo são a base de um novo ativismo contemporâneo, a da emergência do precariado cognitivo, ou cultural, ou seja, da explosão e da percepção que o sistema trabalhista fordista e previdenciário clássicos não dão mais contas da dinâmica de ocupações ‘livres’ (mesmo que frágeis e sem segurança) no capitalismo da informação. E que essa precariedade e autonomia não significa apenas “vitimizar” e “assujeitar” é uma potência para novos arranjos, alianças e lutas.

4. O Circuito Fora do Eixo é, no meu entender, um dos mais potentes laboratórios de experimentações das novas dinâmicas do trabalho e das subjetividades. Que tem como base: autonomia, liberdade e um novo “comunismo” (construção de Comum, comunidade, caixas coletivos, moedas coletivas, redes integradas, economia viva e mercados solidários).

Estão FORA do eixo/fetiche da esquerda por trabalhadores assujeitados na relação patrão/empregado! Mas tem enorme potência para articularem não apenas a classe média urbana, mas se articularem com os pobres e precários das periferias e favelas, ao se conectarem com outras redes como a da CUFA e outras, que junta os jovens negros e pobres para outras marchas como a do Direito a Moradia, em preparação. Além de outras articulações sem medo de “aparelhamentos” seja das corporações, dos partidos, ou do Estado. Sem demonizar as relações com os mercados, mas inventando e pautando, “criando” outros mercados, fora da lógica fordista do assujeitamento.

5. Ou seja, o Fora do Eixo entendeu que o modelo na produção cultural é o modelo de funcionamento do próprio capitalismo.

Não mais o capitalismo fordista da “carteira assinada” mas o dos zilhões de free-lancers, autônomos, diplomados sem empregos, sub-empregados, camelôs, favelados, contratados temporários, designes, artistas, atores, técnicos, que ou “vendem” sua força livre de trabalho com atividades flutuantes temporárias, ou se ORGANIZAM e INVENTAM o próprio emprego/ocupação e novos circuitos, como tem feito de forma incrivelmente bem sucedida o Circuito Fora do Eixo, resignificando e potencializando o imaginário de jovens no Brasil inteiro.

Uma esquerda pós-fordista que está dando certo, que inventa estratégias de Mídia, que inventa “mercados” solidários, contrariando os anunciadores do apocalipse.

6. A ideia de que, para se ter “direitos”, é preciso se “assujeitar” em uma relação de patrão/empregado, de “assalariamento”, é uma ideia francamente conservadora. O precariado cognitivo, os jovens precários das economias da cultura estão reinventando as relações de trabalho; os desafios são enormes, a economia pós-Google não é fordista, não é melhor nem pior que as velhas corporações, mas abre para outras dinâmicas e estratégias de luta, EM DISPUTA!

Não vamos combater as novas assimetrias e desigualdades com discursos e instrumentos da revolução industrial!!! Como faz o texto na sua argumentação redutora e tendenciosa.

Não é só o capitalismo financeiro que funciona em fluxo e em rede, veloz e dinâmico. As novas lutas e resistências passam por essas mesmas estratégias.

O Fora do Eixo está apontando para as novas formas de lutas, novas estratégias e ferramentas, que inclui inclusive PAUTAR AS POLITICAS PUBLICAS, PAUTAR o Parlamento, PAUTAR A MÍDIA, Pautar a Globo, como as marchas conseguiram fazer! Ser bem sucedido ai, onde muitos fracassaram, é o que parece imperdoável!

Há um enorme ressentimento no texto, mal disfarçado, diante de tanta potência, lida pela chave mesquinha da “luta por poder”, “captalização de prestígio”, da “nova classe dominante”. O objetivo infelizmente parece ser o de desqualificar, rotular e “neutralizar” os que são os novos aliados de uma radicalização do processo democrático no Brasil, que estão inovando na linguagem e nas estratégias. “Perigo” que ameaça a jovem/velha esquerda, que perde protagonismo em todas as esferas, incapaz de dialogar com esse novo e complexo cenário, com todos os seus riscos. Experimentar = se expor aos riscos.

7. Como dizem os ativistas italianos: “Odeia a Mídia? Torne-se Mídia”. A velha esquerda foi incapaz de fazer frente as velhas corporações, perdeu para a mídia de massas, conseguiu pautar algumas politicas públicas, mas está francamente perdida no capitalismo dos fluxos e das redes. Não sabe como resistir, nem inovar, nem experimentar, nem ousar. Está tristemente na retaguarda do próprio mercado!!!

8. O artigo parece ter como horizonte a luta por cartórios do século XIX!!! Com estratégias e palavras de ordem abstratas, um “anticapitalismo” vago que perdeu o sentido. Pois as novas lutas são em FLUXO, são modulações, não são MOLDES PRE-FABRICADOS, não são sequer anti-capitalistas, no sentido estrito, pois estão hackeando o capitalismo, se apropriando de suas estratégias para resignificar o COMUNISMO das redes, no sentido mais radical de um comunismo DENTRO do próprio capitalismo, esquizofrenia do sistema que produz hoje um horizonte do COMUM, que temos que construir e pelo que temos que lutar.

9. É preciso dizer ainda que “não existe UM outro mundo”, não existe “fora do capitalismo” (como diz Guattari e Negri) só existe esse mundo aqui, em processo, mutante, imanência radical, e é deste mundo aqui (um rio que vem de longe…) que iremos inventar outros tantos mundos, no plural.

10. O Fora do Eixo, nas suas práticas de criação de comum e comunidades (que o texto detecta mas distorce) e politização do cotidiano, não é o “inimigo” a combater, estão forjando as novas armas para os movimentos em fluxo, então criando redes, fazendo midiativismo, estão relendo e re-inventando, de forma empírica e genial, dinâmicas e processos decisivos dos embates políticos: situacionismo, Maio de 68, experiências de Seatle, hackerativismo, cultura livre, estão na deriva e na luta. A “geração em rede” não mascara nenhum tipo de “conteúdo político oculto e perigoso” que precisa ser desmascarado, ela é o novo conteúdo e linguagem política, ela encarna as novas lutas e está inventando futuros alternativos. (IB)



3ª Comunicar! // Investigação no Jornalismo

As artes do jornalismo investigativo
Por Lilia Diniz

Principal ferramenta do jornalista, a investigação é a base de reportagens que mudaram o rumo da História. Revelações de fraudes, má gestão de recursos públicos e outros crimes abalaram governos e instituições. O instinto aguçado para farejar pistas em meio a um emaranhado de informações é fundamental, mas paciência e uma boa dose de coragem também são essenciais em apurações que podem durar anos. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (29/10) discutiu o jornalismo investigativo hoje e os desafio que as novas mídias impõem às investigações mais aprofundadas (ver íntegra aqui).

Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro os jornalistas Chico Otávio, repórter especial de O Globo, Elvira Lobato, que trabalhou na Folha de S.Paulo, e Claudia Antunes, editora da revista piauí. Chico Otávio é professor da PUC-Rio, recebeu cinco vezes o Prêmio Esso. É autor de reportagens de destaque como o escândalo da LBV, a máfia do INSS, o caso Riocentro e fraudes nas importações. Claudia Antunes foi editora da seção Mundo da Folha, editora de Internacional, de Cidade e de política no Jornal do Brasil e chefe de reportagem da sucursal da Folha no Rio. Elvira Lobato atuou como repórter por quatro décadas. Foi especialista em telecomunicações e radiodifusão da Folha de 1993 a 2011, quando se aposentou. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Elvira recebeu, entre outros prêmios, o Esso de Jornalismo, em 2008, e o Embratel, em 2004.

Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines pontuou que as agressões a jornalistas são proporcionais ao incômodo que o seu trabalho causa: “Liberdade de expressão é a primeira vítima dos tiranos e tiranetes e, à medida que jornalistas se tornam mais atuantes, mais competentes e competitivos – e, portanto, mais investigativos –, maior é a violência contra eles”. Dines afirmou que reportagem e investigação são sinônimos e destacou a necessidade de investimentos nos meios de comunicação: “Ficou evidente que a crise de identidade que assola a mídia dita ‘tradicional’ só poderá ser superada quando mais recursos e mais empenho forem transferidos para investigações extensivas, de longo prazo. O dia a dia é atendido pelas diversas modalidades que circulam na internet, mas o cidadão do mundo já não se contenta com fragmentos, quer informações consolidadas, inteiriças e principalmente novas”.

Denúncia vs. poder

O programa entrevistou uma série de participantes da Conferência Global de Jornalismo Investigativo, realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) de 12 e 15/10, no Rio. O premiado jornalista escocês Andrew Jennings acredita que é possível realizar grandes reportagens mesmo fora da mídia convencional. “Os jornais estão sem dinheiro, mas ninguém disse para parar de investigar, porque o verdadeiro jornalismo investigativo está no coração e achamos um jeito. Se você tiver que viver com seus pais por mais alguns anos e escrever seu blog e fazer suas investigações em mesas de restaurantes, esse é o novo mundo chegando. Acho que se você é um jornalista determinado e sabe que tem uma história cheirando mal, e sabe que deve investigar, [então] você acha um jeito”, disse Jennings.

Um dos principais combustíveis do jornalismo investigativo é adrenalina. Andrew Lehren, repórter do New York Times que cobriu o caso Wilileaks, investigou telegramas diplomáticos e processos de detentos de Guantánamo, ponderou que o risco faz parte da atividade: “Sempre existem pressões que os jornalistas enfrentam. Nós enfrentamos pressões de ações judiciais, de pessoas que podem querer nos agredir se nós escrevermos certos tipos de histórias, enfrentamos todo tipo de pressão. Alguns jornalistas veem essa pressão e dizem que não querem fazer esse tipo de jornalismo, preferem cobrir uma partida de futebol ou um concerto de música. É necessário todo tipo de jornalismo para fazer um jornal, uma rádio ou um canal de televisão”. Para ele, as pessoas que atuam como jornalistas investigativos tendem a ser destemidas.

Com a experiência de investigar casos de corrupção e de violações de direitos humanos no Paraguai, a jornalista Mabel Rehnfeldt, do diário ABC Color, chamou a atenção para a acomodação dos jornalistas diante das pressões. “Em sociedades como a paraguaia, o jornalismo também pode estar refém sem a necessidade de que alguém morra. E como se mata? Subornando, dando dinheiro aos jornalistas para que calem ou para que falem. E isso é tão lamentável como sofrer ameaças e outros tipos de riscos. Cada vez que um jornalista entrega a sua voz ou seu silêncio ao dinheiro, ao poder, ou à política, estamos matando o jornalismo e matando a oportunidade de um país melhor, com mais saúde, mais educação”, afirmou a jornalista.

O jornalista bósnio Drew Sullivan, que coordena um consórcio de centros de investigação que conta com 80 profissionais de vários países, ressalta a importância de critérios de segurança para cobrir o submundo. “Jornalismo investigativo sobre crime organizado no Leste Europeu é muito perigoso. É extremamente perigoso reportar sobre essas pessoas porque não há muita informação. Quando essas pessoas descobrem que você está escrevendo sobre elas, é muito perigoso – elas já mataram várias vezes antes. Então, é um jornalismo muito cuidadoso e cauteloso, que se baseia em ser muito bom, em ser capaz de documentar a informação cuidadosamente, porque se você não reportar a história corretamente isso pode te colocar em perigo”, disse Sullivan.

O preço da notícia

A crise financeira que abalou o mundo a partir de 2009 acertou em cheio as empresas de comunicação. Já combalida pela concorrência com as novas mídias, a imprensa tradicional precisou reestruturar seu modelo de negócio. Para se reinventar, jornais cortaram custos. E a primeira vítima, muitas vezes, foi a investigação mais aprofundada. Para Tom Gilles, editor do programa Panorama, da BBC, as reportagens investigativas são insubstituíveis. “Tem sido difícil financiar jornalismo investigativo, mas, ao mesmo tempo, devido à necessidade, ainda acho que o jornalismo investigativo tem um bom futuro. Custa muito dinheiro realizar jornalismo sério na televisão. Ao mesmo tempo, estranhamente, tem mais demanda e interesse do que já tinha. De certa forma, por causa da crise financeira, do senso de injustiça, de uma crescente necessidade das pessoas, talvez um ceticismo sobre os governos e corporações”, disse Gilles. Especialmente na televisão, na sua opinião, a investigação é essencial.

Mesmo diante da crise, o diário britânico The Guardian investe pesado na apuração de grandes reportagens. David Leigh, editor de investigações do jornal, ressalta que a profundidade das reportagens é um diferencial. “Todos os jornais da Europa e da América estão enfrentando grandes crises financeiras e obviamente o jornalismo investigativo está em perigo porque é caro, é perigoso, utiliza muitas pessoas e muito tempo para ser feito. Porém, o interessante é que o The Guardian, embora esteja enfrentando uma crise financeira, assim como todos os outros, decidiu, deliberadamente, fazer do jornalismo investigativo uma característica e injetou recursos nele”. Leigh ressaltou que o jornal está usando justamente a investigação para se diferenciar do conteúdo encontrado na internet, principalmente em blogs.

Andrés D’Alessandro, editor do Fórum de Jornalismo da Argentina, destaca o alto custo das reportagens com apurações longas. “O jornalismo investigativo é o jornalismo mais caro de realizar em todos os formatos. Mais caro do que o jornalismo gráfico, do que jornalismo de documentários para o cinema. A crise financeira que o mundo atravessa – em particular, a crise que atravessam os meios de comunicação tradicionais em todo o mundo – gera algum problema para o desenvolvimento do jornalismo investigativo.” Para D’Alessandro, é fundamental que se trabalhe em plataformas de colaboração jornalística. Com o avanço tecnológico, ele acredita que seja cada vez mais fácil compartilhar conteúdos apurados em diversas partes do mundo para produzir reportagens.

Financiamento como arma

Historiador e comentarista do canal ESPN, Lúcio de Castro tem uma série de reportagens investigativas premiadas em seu currículo. Para ele, o financiamento ainda é um problema. “Ainda falta a gente caminhar muito. As novas mídias sem dúvida são um caminho maravilhoso para o jornalismo investigativo, mas falta ainda saber como vai financiar isso tudo. Se a forma de financiamento vier do Estado, você também não tem independência. Então, esse caminho a gente vai ter que encontrar ainda, mas vamos caminhar para que depender cada vez menos das grandes empresas.”

Andrew Lehren destacou que investigações longas exigem investimento das empresas: “Bom jornalismo demanda tempo e dinheiro. Eu trabalho para o New York Times e eles têm um comprometimento real em acreditar que o jornalismo investigativo é importante, que é uma marca do jornal. Existem outras organizações de mídia que acreditam nisso também. Nesses dias, são as [entidades] sem fins lucrativos como a ProPublica”. Drew Sullivan contou que doadores internacionais injetam dinheiro no consórcio de jornalistas de que faz parte. “Isso é algo comum em jornalismo investigativo nos dias atuais. Sem fins lucrativos é uma boa maneira para conseguir dinheiro para esses tipos de temas que não são de grande interesse para um grande número de pessoas”, sugeriu o jornalista. Mas, por outro lado, Sullivan ressaltou que há um problema constante, que é “achar” o dinheiro.

Repórter da revista semanal alemã Stern, Nina Plonka é otimista quanto ao jornalismo investigativo produzido em seu país. “É verdade que nós temos menos dinheiro para gastar, mas no geral você não pode comparar com outras mídias. Nós podemos fazer as reportagens que nós queremos, temos todo o tempo de que precisamos. Na Alemanha, muitas mídias investem no jornalismo investigativo. Gastam dinheiro na investigação porque elas querem a verdadeira e exclusiva história que ninguém tem.”

Mabel Rehnfeldt disse que durante os momentos de crise, o primeiro passo das empresas é, geralmente, diminuir os investimentos na apuração: “É, ironicamente, o tipo de jornalismo que o nosso país mais necessita para encontrar tudo aquilo que está oculto, que rouba dinheiro da saúde, da educação, das crianças. São os primeiros recursos que são cortados e são os de que mais se necessita”.

Tecnologia como aliada

Pinçar informações valiosas exige faro apurado e persistência. Recentemente, nomes como Bradley Manning, do caso Wikileaks, e Edward Snowden, que prestava serviço para Agência de Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA), ganharam destaque ao vazar informações sigilosas que foram o pontapé para o trabalha de jornalistas investigativos. Nos anos 1970, 14 mil páginas ultrassecretas do governo norte-americano sobre a guerra do Vietnam, os Papéis do Pentágono, foram entregues clandestinamente ao New York Times. Para Andrew Lehern, o material era semelhante ao vazado por Manning, no caso Wikileaks.

“Os Papéis do Pentágono tinham muito menos páginas, menos palavras, mas eram informações e segredos similares sobre o que o governo sabe e está fazendo. A mudança foi que os Papéis do Pentágono eram em papel e Wikileaks numa base de dados, em arquivos eletrônicos. Dados são apenas mais uma fonte de informação. Nós, jornalistas, falamos com as pessoas, nós olhamos documentos, lemos relatórios, olhamos mapas e fotos que podem nos fornecer informação. Nós estamos acostumados a olhar todo tipo de informação e os dados são apenas mais uma forma de informação. O nosso trabalho, como jornalistas, é coletar a informação e tentar achar as histórias importantes para as pessoas”, disse o jornalista.

Dines abriu o debate no estúdio questionando se todo jornalismo é investigativo. Elvira Lobato comentou que o termo sempre gera polêmica, principalmente nas universidades. A jornalista disse que, de acordo com os dicionários, investigação e apuração têm o mesmo significado. Mas, em sua opinião, a investigação pode trazer à tona fatos que incomodam, que são de interesse público e estavam ocultos. Para isso, é preciso que o profissional tenha características específicas: “Não se aprende na universidade a fazer jornalismo investigativo. Eu acho até que o repórter precisa ter um dom, um inconformismo, uma curiosidade que não estará nos demais. Ele vai desconfiar que alguma coisa que parece normal não é normal”, definiu Elvira. Geralmente, segundo ela, são pessoas arredias, solitárias e obcecadas pelos os temas em que trabalham. Tudo começa com o olhar do repórter, que identifica quando há algo que precisa ser apurado.

Transparência no setor privado

Na avaliação de Elvira Lobato, jornalismo investigativo é caro porque a mão de obra fica retida em um assunto por um longo tempo e requer uma grande qualificação do profissional. É preciso que o jornalista conheça profundamente um assunto para avaliar o que pode estar escondido por trás das informações, sobretudo em emaranhados burocráticos. “O mais difícil de ser feito é investigar empresas privadas. Há muita investigação na área de política, porque você vai ter as diferentes correntes políticas ajudando, adversários expondo o outro, informações que de alguma maneira você consegue ter acesso; mas no mundo privado, não”, disse Lobato. Concessionárias de serviços públicos estão entre as que impõem mais barreiras para os jornalistas.

Dines chamou a atenção para o fato de que os veículos de comunicação são empresas e que pode haver o temor de enfrentar ações e processos decorrentes de denúncias. Elvira Lobato disse que o escudo de proteção do jornalista são a verdade e a reportagem bem apurada. O conteúdo não pode deixar margem para dupla interpretação e deve estar calcado em provas. “Eu nunca tive nenhum problema de o jornal falar ‘esse assunto não pode ser apurado’”, contou repórter. Para os pequenos jornais, as ações judiciais podem ser fatais para a saúde financeira e intimidar os profissionais.

Chico Otávio confessou que é um obcecado pelas pautas que está apurando. “Todos os dias a revolução tecnológica agrega uma plataforma nova de investigação às redações, os repórteres estão se tornando super-repórteres, com ‘n’ funções e atribuições nessa era do tempo real e da velocidade. Por isso mesmo, eu acho que quando você consegue convencer o seu editor de sair da rotina e se dedicar a algo especial, específico, que demanda mais tempo, mais investimento, mais espaço, mais checagem, mais tudo, eu acho que isso é um momento muito especial”, disse o repórter de O Globo.

Após a publicação das denúncias, muitas vezes os fatos deixam as manchetes dos jornais. Chico Otávio afirmou que o tempo da imprensa é diferente do tempo do policial e do juiz: “Nós publicamos a denúncia e tentamos desdobrá-la até um certo limite. Mas chega um ponto em que você tem que esperar o desdobramento natural nas instituições, porque senão vira campanha – e não pode ser campanha. A gente tem que esperar a coisa acontecer para voltar a abordar aquele assunto”, explicou Chico Otávio.

Claudia Antunes assegurou que todo jornalismo é investigativo e, por isso, é diferente de uma simples “venda” de informação. “A gente vê muita gente transmitindo na internet, no Facebook, informações mentirosas, sem checar, vídeos manipulados. Isso aconteceu muito desde junho no Brasil”, disse a jornalista. Os jornais têm destacado um grande número de profissionais para abastecer as notícias na internet, onde a concorrência é acirrada, e há dificuldade em manter os jornalistas em pautas mais profundas. Para ela, a sensibilidade do repórter na cobertura do fato é importante para a qualidade do jornal.

Reproduzido do Observatório da Imprensa, 31/10/2013;


#Marco Regulatório da Comunicação


Por que no Brasil é diferente?


Por Venício A. de Lima*

Em conversa recente com o professor da Universidad Torcuato Di Tella, Philip Kitzberger, que realiza pesquisa comparada sobre políticas de comunicações na América Latina, insisti que a grande diferença do Brasil em relação aos outros países que estuda – Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela – é que aqui, no período posterior ao regime militar, apesar da eleição e reeleição de um governo categorizado como “populista de esquerda”, não houve mudanças em relação aos interesses que são atendidos na formulação da política pública do setor. Continuam a prevalecer os grandes empresários privados, aliados a grupos familiares e oligárquicos da velha política regional e local.

Propostas sequer se tornam projetos

No Brasil, antes mesmo de se transformarem em projetos de lei, minutas de propostas que não atendam aos interesses dominantes têm sido vigorosamente combatidas e logo abandonadas pelo governo. Os exemplos mais conhecidos – mas não os únicos – são o “pré-projeto” (vazado na imprensa) de transformação da Ancine em Ancinav, em 2005, e o até agora inédito pré-projeto de novo marco regulatório para a radiodifusão, que teria sido elaborado na Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República ao final do governo Lula (dezembro de 2010).

Quando, eventualmente, “projetos” são apresentados ao Congresso Nacional, como o de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, a reação contrária é tão formidável que nem a tentativa de substituí-lo por outro, de criação de um Conselho Federal de Jornalistas – a exemplo de conselhos existentes para outras profissões como advogados e engenheiros – se concretizou. O projeto original foi arquivado sem que seu mérito fosse de fato debatido, como seria de praxe nas democracias representativas chamadas de liberais.

Mesmo assim, analistas conceituados argumentam que os dois exemplos acima fazem parte de um “encorpado caldo de cultura contra a mídia” existente no Brasil e foram não só “iniciativas do governo federal na administração de Luiz Inácio Lula da Silva (...) que pretendiam aumentar o controle da mídia”, como “quase [sic] se concretizaram”.

Outra característica que diferencia o Brasil de outros países latino-americanos é que aqui, historicamente, os grupos dominantes têm (a) impedido a regulamentação de normas e princípios constitucionais e/ou; (b) quando regulamentadas, as normas são impedidas de funcionar e/ou; (c) até mesmo o debate sobre o tema tem sido interditado publicamente, isto é, só merece a atenção da grande mídia para ser satanizado.

Quais as perspectivas de futuro?

Diante dessas afirmações, a pergunta natural para um observador externo é: quais são as projeções para o futuro? Há alguma perspectiva de alteração desse quadro? Quais são os indicadores mais recentes que apontam para onde o Brasil caminha neste setor?

Registro três exemplos.

1.A Audiência Pública conjunta de cinco comissões, realizada no Senado Federal, no dia 16 de junho, para discutir projeto que tramita no Congresso Nacional desde 2007 e que pretende regulamentar a televisão paga. A audiência confirmou:

(a) As divergências entre as teles e as empresas de radiodifusão, que se tornaram públicas desde a definição do sistema de TV digital, quando os radiodifusores venceram a disputa;

(b) As divergências internas entre as próprias empresas de radiodifusão. Representantes da Globo, do SBT e da Record falaram em nome da Abert e expressaram posições diferentes;

(c) A exclusão de representantes da sociedade civil organizada do debate, impedidos de participarem da audiência;

(d) O conflito entre o Congresso Nacional e alguns grupos empresariais com a Anatel, acusada de tentar “legislar” sobre televisão paga;

(e) A ameaça de judicialização de uma eventual regulação aprovada pelo Congresso Nacional feita pelo representante da Associação das Programadoras.

Em resumo: não se vislumbrou qualquer consenso. De certa forma, fica paralisado o andamento de um projeto de lei que tramita há mais de quatro anos e tenta apenas a regulação parcial do setor.

2. A exposição do ministro das Comunicações no 2º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, Brasília, em 17 de junho.

Falando como se o tema “marco regulatório” fosse uma questão nova, o ministro reafirmou que a regulação do setor “envolve poderosos interesses econômicos” e, indiretamente, deu a entender que compreende regulação como sendo a regulamentação de normas que já estão na Constituição de 1988 e, mesmo assim, com muita calma e cautela (23 anos depois!).

3. Apesar de várias constituições estaduais haverem incluído, desde o final da década de 1980, artigos sobre a criação de conselhos estaduais de comunicação – a exemplo do artigo 224 da Constituição Federal –, a exceção da Bahia nenhum outro estado conseguiu até hoje regulamentar esses artigos. Apesar do importante apoio de entidades representativas como a Comissão Nacional de Justiça e Paz da CNBB, a própria OAB Nacional manifestou sua oposição à regulamentação dos artigos que prevêem a criação desses conselhos, em outubro de 2010.

A diferença do Brasil na América Latina

Ao contrário do que ocorre em países nossos vizinhos na América Latina, aqui não se conseguiu avançar na necessária regulação do setor de comunicações. Os dois governos do presidente Lula esbarraram nessa barreira histórica e não há indicações concretas, até agora, de que o governo Dilma conseguirá vencer os “poderosos interesses” mencionados na fala do ministro das Comunicações.

A novidade (?) é que organismos internacionais e atores dominantes no Brasil passaram recentemente a defender a “autorregulamentação” como alternativa para a regulação do setor de comunicações.

Essa é a diferença brasileira.


   Reproduzido da Agência Carta Maior, 29/6/2011; título original “América Latina: por que no Brasil é diferente?”



*Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011]



#Correspondência Internacional

Por Vladymir Jorge, professor da UFRRJ e palestrante da 2ªComunicar!


Internet, democracia e corrupção


A exposição se desdobrará em duas partes. Inicialmente, apoiando-se no diagnóstico de que a democracia representativa atravessa uma crise, pretende-se discutir a relação desta crise com o uso das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTICs) pelas instituições políticas. Argumentar-se-á que, embora a internet tenha sido criada por motivações políticas, a democracia digital (e-democracy) é uma conseqüência não premeditada da expansão da rede mundial de computadores nas últimas duas décadas e da percepção de que esta poderia vir a contribuir para a superação de alguns dos problemas enfrentados pelas democracias representativas no final do século XX. Além de reduzirem o tempo de divulgação e o custo da comunicação e da informação, as NTICs possibilitaram a ampliação do controle sobre os agentes estatais (políticos e burocratas) e criaram expectativas, que ainda não se confirmaram, com relação ao aumento da ação e da participação política dos cidadãos. 

Mais não é só a crise da democracia representativa que tem estimulado o debate em torno do uso político das NTICs pelos governos. Deve-se considerar, ainda, que o tema da corrupção adquiriu relevância internacional na última década. Um exemplo mais recente disso é o programa Parceria Governo Aberto (Open Government Patership), do qual os chefes de Estado do Brasil e dos Estados Unidos são coopresidentes. Embora a ênfase seja na transparência, a declaração da Parceria Governo Aberto não deixa de mencionar a exigência de mais participação cívica ou política dos cidadãos nos assuntos públicos, inclusive no processo decisório. Diante de tudo isso, o Executivo federal brasileiro tomou iniciativas visando tornar mais transparentes as ações de governo e, com isso, aperfeiçoar a fiscalização por parte de outros órgãos públicos e da sociedade civil. 

Na segunda parte da exposição, pretende-se discutir o uso da internet pelos governos estaduais e federal no Brasil. Baseado em uma pesquisa realizada entre 2009 e 2010, mostraremos que os governos estaduais não disponibilizavam recursos que possibilitasse ao Executivo prestar contas ao cidadão, que dessem transparência administrativa e que permitissem a participação política dos cidadãos no processo político. Tais práticas eram comuns a todos os partidos políticos. 

Quanto ao governo federal brasileiro, vamos comparar o uso que este e o governo chileno fazem da internet. Pesquisa, realizada em 2011, revelou que, apesar de o Brasil está ainda longe de explorar todo o potencial que a internet tem a oferecer, este país disponibiliza mais do que o Chile ferramentas que permitam seus cidadãos fiscalizar seus representantes ou participar do processo político. Acreditamos que esta diferença seja em decorrência das iniciativas legais que o Brasil tomou e que obriga os agentes públicos a criarem ferramentas digitais com intuito de dar mais transparência às ações de governo e, com isso, aperfeiçoar a fiscalização por parte de outros órgãos públicos e da sociedade civil.





A vida nada fácil de um correspondente internacional

Por Assis Moreira, de Genebra *

Com mais de 20 anos de trabalho no exterior, li, enfim, um livro brasileiro sobre correspondente internacional. E o resultado é muito bom. Carlos Eduardo Lins da Silva, autor de Correspondente Internacional, agora publicado, sabe perfeitamente do que fala. Foi correspondente nos EUA por três vezes, pela Folha de S.Paulo. É profundo conhecedor das relações internacionais. No livro, mistura literatura teórica com sua experiência, passando pela história, tipicidades, relevância, exigências de quem relata, a partir do exterior, as multitarefas, influências do país de origem, a hierarquização na tribo dos correspondentes, a camaradagem e a competição.

O livro de Carlos Eduardo, ex-diretor adjunto do Valor, desmonta o que pode restar da imagem glamourosa e romântica da figura do correspondente – trabalhador solitário, um generalista que passa de futebol a reunião de presidentes de bancos centrais, numa rotina e fuso horário com frequência massacrantes. Carlos Eduardo ilustra com as horas sob neve, chuva, sol ou luar na porta da embaixada brasileira em Washington, esperando Lady Di, hospedada pela então embaixatriz Lucia Flecha de Lima, sair para compras. Ou o plantão na porta do FMI, aguardando o ministro da Fazenda da época.
Isso é tudo muito familiar. Recordo de uma cobertura especialmente penosa, no Banco para Compensações Internacionais (BIS), em Basileia (Suíça), durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Jornalistas brasileiros faziam plantão desde a manhã até a noite, num frio cortante, esperando o presidente do Banco Central, Gustavo Franco. Quando ele, enfim, saiu, seu único comentário foi: “Os baianos ainda estão aí?” E deu as costas. Reali Júnior, nosso querido colega, de tão boas recordações, soltou as baterias contra Franco.


Notícia exclusiva dura alguns minutos

Para correspondentes brasileiros, muita coisa mudou. Antes, era complicado conseguir até credencial para cobrir grandes eventos internacionais. Hoje, com o país no G-20, o acesso é facilitado. Na primeira cúpula do G-20, em Londres, há uns três anos, os principais jornais brasileiros anteciparam em manchete o pacote de US$ 1,1 trilhão que seria anunciado pelo britânico Gordon Brown no dia seguinte. Isso porque Guido Mantega, principal negociador brasileiro, ao ser indagado diante do presidente Lula, abriu a pasta e revelou o montante na véspera.
A rede de contatos precisa ser realmente globalizada. Um texto sobre comércio, por exemplo, com frequência deve ser complementado com telefonemas para Genebra, Washington, Bruxelas, Brasília. Até a duração do furo é outra. Uma notícia exclusiva dura alguns minutos. Com a internet, logo depois estará sendo reproduzida.

Sem glória ou charme

Carlos Eduardo menciona o “vampirismo”, hábito do correspondente que se “inspira” em informações da mídia local. Na verdade, com a internet, isso virou uma praga em alguns lugares. Leva ao que a ombudsman de El País, de Madri, chama de “periodismo de refrito y composición”. Mas quem continuar nessa via acabará condenado pelos leitores, cada vez mais atentos.
Ao mesmo tempo, tornou-se frequente, na imprensa brasileira, a figura do enviado especial quase permanente. É o caso de Clóvis Rossi, um dos mais brilhantes, competentes e respeitados em todo lugar.
Relatos de agências internacionais nunca vão substituir os correspondentes, para identificar melhor e com nuanças o que interessa ao público nacional. Sem glória ou charme, mesmo assim o número de correspondentes internacionais tende a aumentar, na medida em que o país procura ampliar sua influência na governança global e a sociedade demanda mais informação externa. O livro de Carlos Eduardo mostra isso e aponta os desafios.


*Reproduzido do Valor Econômico, 10/06/2011


#Mídias Sociais 

Relacionamento com o leitor

Por Nívia Carvalho, editora de  Mídias Sociais do O Globo

Entender as mídias sociais é aprender com elas - e para aprender é preciso fazer. No caso de veículos de comunicação, de modo geral, ferramentas como Twitter e Facebook  foram inicialmente adotadas como mais duas plataformas de distribuição de conteúdo. Rapidamente aprendeu-se que além de canal de distribuição de notícias, permitiam aos jornalistas rastrear tendências e encontrar fontes, por exemplo. Aos poucos, Twitter e Facebook passam a fazer parte do dia a dia de profissionais das redações, como o telefone e o e-mail fizeram anteriormente. E o mais significativo: tornaram-se mecanismos eficientes para ouvir a audiência e dialogar com ela. Ou seja: viraram base para conexões, para a construção de redes sociais.

É a audiência, agora com as mesmas ferramentas dos jornalistas, que informa, fotografa, faz vídeos, corrige e acrescenta informação, comenta, elogia, critica e mantém nos ‘trends’ o que considera importante - tudo isso com rapidez e volume nunca antes vistos. A publicação da matéria por jornalistas não pode mais ser considerada o fim do processo. Muitas vezes é o início.

‘Seguidores’ e ‘fãs’ contribuem efetivamente para a construção do noticiário. Em fevereiro passado, uma falha no fornecimento de energia fez com que parte do Nordeste ficasse às escuras. O perfil @JornalOGlobo no Twitter passou a dialogar com internautas de vários estados atingidos pelo apagão, que informavam como estava a situação, diretamente de suas regiões. As informações eram repassadas pelo perfil a seus seguidores. Que redação teria, naquela como em qualquer outra madrugada, dezenas de correspondentes a postos?

O que estamos observando: diferentemente da participação das pessoas nas seções de comentários dos sites - sujeita a uma espécie de admissão, como a feitura de cadastros, e à aprovação de comentários pelo moderador - todos com perfis nas redes agora podem entrar. E não mais serem silenciados com bloqueios (a forma mais eficiente de terminar um relacionamento com uma pessoa). Também respeitando a lógica das redes, o anonimato garantido nas seções de comentários deu lugar a bios e avatares, trazendo para o debate muitas pessoas preocupadas com sua reputação digital, que sabem que comentam sob a vigilância de seus amigos.

Os veículos também ganharam ‘caras’: os perfis tiram dúvidas, agradecem pela colaboração, esclarecem opções editoriais, retribuem #FF, seguem followers, participam dos debates no Facebook, ‘curtem’ comentários. O foco deve ser a interação. E isso exige pessoas focadas em redes sociais e dedicadas ao diálogo. Internamente, nas redações, o trabalho para incluir a audiência no dia a dia dos profissionais não exige menor dedicação.

Provocar mudanças de padrões, rotinas, não é tarefa das mais fáceis. É natural que olhem com desconfiança para as propostas de novas práticas e de novos comportamentos. Sim, o trabalho nas redes sociais pode ser encarado como capaz de tumultuar processos que, bem ou mal, garantem o funcionamento do trabalho do profissional e do próprio negócio.  
Difundir boas práticas no uso das redes entre os jornalistas e cativar a adesão daqueles mais dispostos a embarcar no projeto são formas eficientes, sabendo sempre que a melhor pessoa para fazer algo é aquela que tem vontade de fazer. Hoje, felizmente, é cada vez mais comum ver nas abas abertas dos computadores as páginas de redes sociais.

O desafio está posto: conhecer as redes é saber interpretar os modos de interação, que podem variar de acordo com a rede, e estar preparado para a mudança do padrão de relacionamento com as pessoas e entre elas. Ou seja: há muito trabalho pela frente. Estamos todos aprendendo, estamos todos fazendo. Sorte a todos nós!


Extraído do Livro e-book 'Para entender as mídias sociais', volume 1.


#Ergologia do Jornalismo

Jornalista não é trabalhador, é missionário

Por Jupy Júnior*

Warren Breed (1915-1999), um dos precursores da Teoria Organizacional que tenta explicar o fenômeno do jornalismo, tem razão. O prazer é um aspecto que explica a atividade jornalística e faz com que este profissional se submeta com muita docilidade aos ditames da empresa que o contrata. Talvez por isso seja bastante razoável supor que o jornalista não é um trabalhador como outro qualquer. Isso não significa necessariamente dizer que os jornalistas são seres especiais – muito embora sejam vistos por muitos leigos dessa forma, e alguns deles próprios também pensam que são -, mas muito porque a atividade de jornalista envolve certas prerrogativas que não podem ser negadas.

Mesmo que Breed pese um pouco a mão e esqueça que o jornalista tem, mesmo que de modo relativamente restrito, algum domínio sobre a apuração e as fontes (sobre a sua “história”, como os americanos se referem), é perfeitamente razoável supor que o envolvimento da pessoa do jornalista com os fatos (e a importância desses fatos) provoca o fenômeno da – chamaremos assim – “identificação”. É uma questão de valores pessoais. O jornalista, o bom jornalista, toma para si a sua “história” (que muitas vezes não é a dele, mas dos leitores, espectadores, internautas etc) e arvora-se a partir dela. Ele ou ela assume uma personalidade representativa da audiência e investe na história como se fosse sua, ou de alguém da sua família. Esse sentimento de utilidade pública, de senso de justiça, de participação efetiva na sociedade move muitos jornalistas (ou deveria mover), e há uma consequência imediata: não há horário, salário, condições de trabalho adversas, dificuldades que o demovam da busca pela visibilidade que sua “história” possa oferecer a quem ele acredita interessado no que ele tem a dizer. Essa “identificação” com sua história e esse ímpeto de representação da sua audiência “cega” o jornalista, que é capaz de ficar horas de plantão em busca de um personagem, de uma informação, de uma novidade que incremente ainda mais a sua matéria. Como pensar em direitos trabalhistas nessas circunstâncias? É como pedir para um soldado do Corpo de Bombeiros anotar o CPF da vítima de um incêndio no momento do resgate. É bastante complicado determinar ou prever quais são as condições de trabalho do jornalista, uma vez que na profissão o inusitado e o inesperado são, paradoxalmente, rotineiros.

Outro aspecto fundamental que se deve levar em conta é o de que jornalismo não é exatamente uma profissão, mas sim um estilo de vida. O jornalista é jornalista 24 horas por dia. Soma-se a isso o fato de que ele, geralmente, sente-se privilegiado (e com razão) por vários motivos: (1) é testemunha direta de fatos importantes; (2) mantém contato com os bastidores do poder, da economia, das artes; (3) obtém informações (muitas delas não são publicadas ou transmitidas) secretas ou de acesso a poucos; (4) mantém contato com pessoas das quais a maioria não tem acesso (e muitas gostariam de ter); (5) participa de eventos, faz-se presente em ambientes, acompanha bastidores etc. Essa “representatividade do público” foi o que Breed chamou de “natureza recompensadora do jornalismo”. Para ele, isso faz parte do jogo de compensações (e punições) da atividade jornalística que reforça o fato de que os jornalistas são – termo nosso – “subservientes” à estrutura de trabalho própria da profissão. É bastante razoável supor que o jornalista não é um trabalhador no sentido estrito, que cumpre jornada específica, com remuneração também específica e condições fixas de trabalho. As “compensações” mencionadas por Breed, no nosso entender, vão além, porque mesclam-se com o ímpeto de representatividade da audiência (mesmo que esta seja apenas uma abstração longínqua) e com os valores pessoais (muitas vezes idealizados) dos quais os jornalistas se arvoram no exercício da sua profissão. Por mais que os jornalistas reclamem dos baixos salários, da carga horária extensa e do fato de que precisam estar disponíveis a qualquer tempo (fatos não escolhem momento certo para acontecer), a questão é que ser jornalista é embutir a prática na personalidade: um amálgama que não só reforça os estereótipos mas que contribui para um obscurecimento das reais condições de trabalho desses profissionais.

Talvez por isso discutir essas condições seja discutir a própria função social da imprensa, porque é certo que nem tudo são flores. Ao assumir a profissão como parte da personalidade, mistura-se, portanto, pessoal com profissional. Perdem-se as fronteiras clássicas entre o ambiente corporativo e a impessoalidade, até mesmo a diversão. Certas coberturas são divertidas e extremamente atraentes (pense em um festival de rock, entrevista com artistas, bastidores de programas de TV etc), e certos privilégios (credenciais de livre acesso, salas secretas, reuniões informais com autoridades, informações em off). Essas circunstâncias são inegociáveis, fazem parte do fazer jornalístico, e estão invariavelmente atadas à “impessoalidade pessoal” da profissão, ou seja, o profissional e a pessoa coexistem no mesmo ser, justificados e amalgamados no processo produtivo da imprensa.

Essa mistura de pessoal com impessoal é muito útil para empregadores e funciona como um benefício não declarado na folha de pagamento. Ganha-se pouco salário, mas come-se canapés deliciosos em lançamentos de livros, entrevista-se o deputado autor do projeto e pode-se perguntar diretamente a ele sobre possíveis inconsistências, assiste-se a filmes antes de todos os cinéfilos, ganha-se entradas para o show exclusivo, viaja-se a trabalho. 

O lado sombrio, entretanto, tem seu lugar fora das obviedades da glamurização. Doenças típicas de jornalistas, como lesão do esforço repetitivo, distúrbios do sono, estafa, estresse, irregularidades digestivas e alteração do humor acometem muitos profissionais. A questão salarial é premente, e embora existam diversas tabelas cujo objetivo é determinar parâmetros, estes não funcionam na prática. A própria indefinição quanto à regulamentação da profissão é aflitiva e demanda esforços maiores de discussão, assim como o papel social da imprensa, em constante ameaça de liberdade (e dúvida quanto aos seus limites). Em um outro extremo, jornalistas são assassinados simplesmente porque cumpriram sua missão e fizeram seu trabalho com zelo.

Cabe a nós ressaltar o trabalho da imprensa regional como uma forma de exemplificar que as questões que envolvem a profissão precisam de uma discussão ampla e urgente. Se é difícil separar pessoal e impessoal na profissão, é ainda mais difícil superar os desafios que a imprensa regional precisa superar todos os dias. A angulação, fenômeno intrínseco que faz parte do modus operandi da imprensa, encontra regionalmente sua expressão mais radical e urgente: sem as benesses do poder um jornal não consegue manter-se como empresa ou mesmo como entidade capaz de continuar produtiva e operante. A cultura da imprensa é frágil e muitas vezes inexistente fora das grandes capitais: aqueles que devem prestar contas públicas do que é público não exercem intermediações competentes com a imprensa (salvo em casos de grandes empresas que atuam regionalmente, mais conscienciosas) e a própria audiência não conhece a “missão” da imprensa regional, e a vê deslocada, parcial e “comprada”. Há vários casos em que vereadores (e até prefeitos) pedem para ver a matéria antes de ser publicada, em uma atitude de “aprovação” (o que pode, em muitos casos, funcionar como uma espécie de censura informal). Entrevistados não sabem se comportar, assessores imprensa enviam releases com erros ortográficos e imprecisões, jornalistas recebem nas redações telefonemas ameaçadores e dança-se, aqui e ali, conforme a música. O comércio local geralmente acha um luxo dispensável publicar anúncios a R$ 100 (caríssimo, na visão deles) e é frequente jornalistas ficarem sem resposta – da prefeitura, da secretaria, do vereador ou até mesmo do governo do estado. Como pensar em condições de trabalho justas se a empresa mesma não consegue equilibrar essas fragilidades de modo satisfatório?

Fora dos grandes centros urbanos e das capitais é que a realidade da profissão se faz mais categoricamente indigente. Quando há competência, falta apoio e verba para manter o compromisso. Mas no geral, falta competência mesmo. Jornalistas amadores fazem um trabalho pífio, com textos mal escritos, exaltação a figuras públicas em troca de dinheiro, publicações mal acabadas e contraditórias, falta de periodicidade e distribuição capenga. Isso quando o dono da empresa consegue pagar todas as contas e obter um lucro irrisório, já comprometido com as promessas de aquisição de novos equipamentos, constantemente frustradas.

Como resolver tamanha complicação? Em primeiro lugar, reconhecer a importância da imprensa dentro e fora das capitais e dos grandes centros urbanos. Discutir o papel social da imprensa, seus possíveis limites. Desenvolver nas escolas e universidades – talvez sob a forma de uma disciplina, algo como “Comunicação social contemporânea” – a conscientização de uma leitura adequada dos fenômenos comunicacionais, algo que inclusive nas graduações em jornalismo já anda relegada à mera obrigatoridade taxada por muitos de “chatice acadêmica”. Estudar formas de promover uma “marcha para o interior” de jornalistas profissionais comprometidos com o ideal da profissão, mas sob um formato que permita remuneração compatível com a importância do trabalho da imprensa para a consolidação da democracia. Reforço e criação dos sindicatos locais/regionais capazes de promover uma intermediação das discussões sobre condições de trabalho que atendam a empresários e jornalistas. E, talvez o mais importante de todos, estudar de que forma os jornais regionais podem manter-se autônomos mediante às forças do poder que usam a imprensa para eleger-se ou mascarar seus mal-feitos. Talvez um subsídio federal, ou mesmo um repasse dos governos municipais (legislativo incluído) e do comércio (que obteriam vantagens reguladas de visibilidade, claro). 

Quanto à falta de profissionalismo generalizada, não só dos empregadores, mas do jornalistas, algumas ideias que lançamos aqui. É preciso que os cursos de jornalismo de fato preparem jornalistas com visão crítica, conscientes do seu ofício, desglamurizados (é obrigação da academia esclarecer sobre a profissão) e de fato preparados. É preciso mais rigor, o que se constitui em um desafio mediante ao fato de que as graduações têm servido mais a propósitos de treinamento técnico (adestramento) do que a discussões e lançamento de questões e reflexões. Atacar por uma via para atestar em outra: é preciso que se crie um mecanismo capaz de aferir a capacidade dos jornalistas, algo como uma prova oficial, preparada por pessoas ou entidades notórias, como acontece com a Ordem dos Advogados do Brasil em relação aos profissionais da área.

Somente com bons jornalistas e com conscientização do valor que a imprensa representa para a democracia é que haverá boas condições de trabalho. No caso dos jornais regionais, as condições de trabalho perpassam pela falta de dinheiro do empregador (é preciso reconhecer isto). Sem o que, o trabalhador-jornalista, que na verdade é um missionário, vai continuar apenas a subsistir heroicamente em um cenário perigoso, sem respaldo e sem perspectivas.


*Jupy Junior é jornalista formado pela Universidade Federal Fluminense e Mestre em Comunicação, Imagem e Informação pela mesma instituição. Atua como professor de Comunicação e como editor do jornal O FOCO, publicação impressa que abrange as cidades de Itaguaí, Mangaratiba e Seropédica, no estado do Rio de Janeiro.




Estudos de recepção e ergologia: os jornalistas como receptores-trabalhadores

Por Roseli Figaro

Disponibilazamos aqui a introdução de um artigo acadêmico da palestrante Roseli Fígaro. No link, você pode encontrá-lo na integra.

Neste artigo, apresentamos os resultados de pesquisa empírica realizada com jornalistas freelancers da cidade de São Paulo, envolvendo técnicas quantitativa e qualitativa de investigação e os aportes teórico-metodológicos dos estudos de recepção e da ergologia. Trata-se de uma abordagem de reflexão teórica e empírica, cujos desenvolvimentos têm sido objeto do Grupo de Pesquisa Comunicação e Trabalho.
 
O binômio Comunicação e Trabalho é constitutivo da atividade humana. Considerar a comunicação e o trabalho entrelaçados e constitutivos da atividade humana significa romper com uma visão positivista que entende o trabalho como “emprego” ou “profissão”, ou que considera comunicação apenas como “mídia” ou “dispositivo tecnológico”. A comunicação é, antes de tudo, produção social de sentido, que se dá na relação entre sujeitos. “Para que ela se efetive, fazem-se necessários o discurso (a enunciação manifesta, parte da formação discursiva), a subjetividade (a constituição do sujeito enunciador/ enunciatário) e o contexto (formação ideológica/ formação social)” (Baccega, 1998, p. 114). Não se trata, entretanto, de uma relação entre sujeitos “soltos no mundo”, pois, os sujeitos são sociais, e se comunicam a partir de seu “lugar de fala”. Segundo Rüdiger (2011, p. 88), “a comunicação representa menos um processo de transmissão de mensagens do que um processo em que se estabelece uma compreensão praticamente mediada entre os homens”.
    
A partir deste pressuposto, pode-se indagar: por que um estudo de recepção? e por que um estudo de recepção realizado com jornalistas? Iniciemos pela segunda questão. Estudar o jornalista a partir do prisma da “classe-que-vive-do-trabalho”, (Antunes, 2001) e fazer um estudo de recepção com esses trabalhadores, permite entender os discursos deles sobre o social, o trabalho e as relações de comunicação que eles constroem no mundo do trabalho.
    
Um dos ineditismos desta proposta é a compreensão do jornalista como sujeito receptor e trabalhador, e não somente como um emissor de notícias, ou seja, abordar o sujeito jornalista como sujeito enunciador/enunciatário de discursos relevantes para os estudos de comunicação. Esta abordagem sobre o profissional revela quais situações e valores conformam a ação do jornalista como produtor do discurso jornalístico, ou seja, na qualidade de seu trabalho.
    
Além disso, trata-se de um sujeito que, para o processo de produção jornalística, se encontra como aquele que vivencia de lugar privilegiado todo o processo de comunicação, em todo o circuito de cultura/comunicação (Hall, 2003) e faz escolhas e toma decisões determinantes nesse processo. 

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